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um conto sobre o reclamar

   Lúcio era um garoto de 16 anos, daqueles que adorava ouvir músicas tristes, românticas, e por aí vai. Era aquele tipo de rapaz que morava numa cidade grande, estudava num dos melhores colégios da cidade, morava num condomínio luxuoso, tinha problemas de adolescente normais, sucessos e insucessos no amor, essas coisas. No seu perfil no facebook havia frases como "Por que temer a escuridão da morte, se a vida é num escuro tom de cinza"? O que resultava em muitos compartilhamentos e curtidas. Era um rapaz que tinha amigos, já havia visitado a Disney duas vezes quando criança, mas andava sempre com aquelas conversas de "minha vida é tão triste, vazia, a depressão toma conta de minh'alma de forma que preferia morrer a respirar este ar venenoso novamente".
   Até que um dia, um amigo seu, Jonas, um pouco mais velho, um pouco mais maduro, militante em causas sociais, coligado a partidos, estudante de ciências humanas em alguma universidade federal se viu farto daquilo que ele considerava ladainha melodramática de adolescente burguês. Foi até a casa de Lúcio e o chamou para dar um passeio. A primeira parada foi na favela, que embora fosse não muito longe de sua casa, Lúcio nem sabia da existência. Lá ele viu as crianças brincando no esgoto a céu aberto, moças mais novas que ele com crianças a tiracolo, rapazes vendendo droga, coisas do tipo. Depois, Jonas o levou a um asilo, onde conhecia um funcionário e pôde entrar pra fazer uma visita. Lá mostrou a Lúcio os velhinhos e velhinhas abandonados por suas famílias, a quem sustentaram e criaram até o dia que não tinham mais utilidade. Todos numa situação altamente precária, tanto de saúde quanto higiene, de forma mútua muitas vezes. Levou-o para conversar com alguns. Demorou para Lúcio perceber que muitos deles tinham comprometimentos cognitivos, não sabendo nem onde estavam, praticamente pedindo pra morrer, naquele calor, naquele descaso.
   Por fim, já abalado, Lúcio foi até a casa de Jonas lanchar de tarde e assistiu a uns documentários e videos avulsos sobre a vida em alguns países da África. Lá se deparou com imagens de crianças e adultos esqueléticos, mas não por estética como as meninas de sua sala e sim por falta de comida. Viu gente comendo biscoitos de barro, viu um bebê desnutrido prestes a virar comida de um abutre...
   Ao fim do dia, Lúcio se despediu de Jonas com lágrimas nos olhos dizendo: "Obrigado por me mostrar a verdade, o quanto minha vida é fútil, o quanto eu tenho tudo enquanto a maioria não tem nada". E foi embora. Jonas deu um suspiro aliviado e foi agir sua vida.
* * *
   Mais tarde, Jonas resolveu entrar no Facebook, e lá estava um post do Lúcio em seu próprio Mural: "Não vejo mais razões para viver... Sinto-me um lixo, vendo que tenho tudo enquanto muitos por aí não tem nem alimentos... Infelizmente, o único jeito é continuar vivendo como o ser mesquinho que sou, lidando com a dor de saber que o mundo é tão imperfeito". E seguido a isso, muitos comentários elogiosos de meninas, dizendo o quão bom ele era por se importar tanto com as pobres criancinhas.

3 Responses so far.

  1. Ai, esse Lúcio é demais... mas conheço muita gente assim, centrada no eu, eu, eu... O que será dessa personagem? Tornar-se-á um homem triste e cinzentão, incapaz de ver as pequenas felicidades da vida!?
    Boa prosa.
    Abraço da Ruthia
    http://bercodomundo.blogspot.pt/

  2. Qtos Lúcios existem por aí? Muitos!
    Só enxergam o próprio umbigo e não têm visão de futuro.

    Muito bom, Luã....

    Abraços!

  3. Que lindo texto, serve de lição para muita gente que vive reclamando da vida, enquanto muitos por ai não tem nada, nem alimento decente para comer... Infelizmente o nosso mundo é assim, cheio de desigualdades sociais, e de várias pessoas que tem tudo na vida reclamando eu querendo mais bens materiais. :(
    Adorei o texto! :D
    Tenha um lindo dia.
    Mil Beijinhos. ♥

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