A fortaleza da solidao

   E houve um dia em que ele acordou com um pouco mais da velha determinação. Fitou todo o apartamento escuro a sua volta; viu seus velhos móveis empoeirados, algumas roupas, as cortinas que já impunham sua presença pesada e imutável através dos tempos sobre suas janelas. Hoje, ele queria diferente.  Fora acometido de uma sinfonia de lembranças tortas que lhe espreitavam como a poeira que insiste em sair debaixo do tapete. Para aquele homem desmotivado, prostrado, talvez estas doloridas lembranças tenham sido a melhor coisa que lhe acontecera. Um homem faz de tudo pra fugir de sua própria verdade. Naquele momento ele decidiu abrir as cortinas, contemplar o quão desleixado havia sido ultimamente, vendo o estado de seu lugar. A forte luz do sol, aquela que ele não via há tempos, penetrou em seus olhos com tanta dor! Por um segundo ele hesitou, pensou em fechar as cortinas de novo. Mas, o que ela pensaria dele se o visse naquele estado? A moça que habitava seus sonhos nunca se interessaria por um sujeito entregue à morte. Enquanto limpava e arrumava seu lar como numa dança circular, se perguntava se iria ou não deixar seu lar. A dúvida quase o afogava agora: "Que a razão não diga nada, sonhos sempre foram minha fuga. Lembranças perdidas sem sentido, mas juntas pra mim parecem música". Lembrou do trecho de uma música que ouvia quando jovem. Ao invés de conforto, ganhou mais dúvida. A essa altura, alternava sua atenção nas expectativas da moça que estava prestes a conhecer e o movimento do sabonete em seu corpo cansado. Ele tinha fé que ela existia, tinha esperança de que aquela pessoa recorrente em seus sonhos não era apenas um produto imaginário do desespero e da solidão. Por fim, ao se vestir e perfumar, pensou de forma otimista que, mesmo se ela não existisse, sua busca pela vida de algo valeria.
   Bateu a porta atrás de si com um sorriso jovem e raro no rosto pensando: "Espera por mim, meu futuro amor, estou chegando onde quer que estejas".